Sunday, February 19, 2006

O medo devora a alma

Tem vezes em que perco totalmente o interesse pela humanidade. Não falo de fé, que é outra coisa, mas de interesse mesmo, de vontade de vivenciar coisas em conjunto, trocar idéias, etc. É uma ausência total de estímulos, uma tamanha nulidade diante do próximo ou de qualquer coisa que o represente, que às vezes tenho a sensação de que o espelho quebrou, e então não faço mais parte da vida cotidiana - é como se eu flutuasse em uma outra dimensão, onde o único foco de interesse se apresenta sob a forma de uma ilha obscura e silenciosa, na qual eu posso, sem culpa, me entregar à mais completa solidão.
O resultado disso é um estado de coisas cuja permanência varia entre horas, dias, semanas, às vezes até meses; tendo a mais longa ultrapassado um ano...
Não é desprezo, ódio, rancor, inaptidão social...nada disso; e antes fosse, já que essas coisas, de certa forma, nos lançam para o campo (de batalha) da ação, no qual toda a encenação das relações humanas ganha corpo e forma. O que de fato acontece, pelo contrário, é que essas fases me tomam de assalto, sem aviso prévio e sem razão aparente; quando surge, simplesmente se instala e alí permanece, sem que eu possa fazer nada. Então, tudo o que em outras ocasiões me despertariam ódio, compaixão, ternura, agora se convertem em um infinito nada. Não é uma apatia no sentido comum, já que meu interesse por muitas outras coisas permanece intacto; é uma apatia única e exclusivamente pelas pessoas.

Tem momentos em que a coisa fica tão braba, que uma pontadinha de ódio por alguém já me deixa feliz. É como se eu avistasse ao longe um farol sinalizando o meu retorno à sociedade a qual, querendo ou não, pertenço; é quando eu já posso me acalmar e contar com o fim da turbulância de mais uma fase de desinteresse pelas pessoas.
Já cheguei à conclusão de que esse meu desajuste poderia me trazer uma profunda paz de espírito; mas isso, claro, somente aconteceria caso eu pudesse vivenciar o desajuste sozinho, completamente isolado dos demais, e é aqui onde aparece o problema: preciso da sociedade; preciso trabalhar, comer, me vestir, e conciliar essas coisas com a minha natureza é o mesmo que se equilibrar simultaneamente entre dois extremos. Impossível.