Sunday, May 22, 2005

MemóriasII

Mas e não é que agora viciei nessas historinhas de memória...

A que segue, mais uma vez, é protagonizada pelos Gêmeos:

Estou cada vez mais convencido de que todas as crianças do mundo carregam um déspota dentro de si, seja ele declarado ou contido; e não há limites para a crueldade infantil.
Quando eu era criança, entre a molecada, havia uma série de códigos rígidos a serem seguidos, e ai de quem burlasse esses códigos; a penalidade era severa, rígida, intolerante.
Era mais ou menos assim: tínhamos uma listinha de coisas que por nós eram execradas ao extremo, pois as considerávamos vergonhosas, infames e imbecis. Uma delas era assistir a novela Carrossel - a febre de então. Não havia perdão para este pecado, e de todas as coisas vergonhosas, essa, sem dúvidas, liderava largamente o rol. O ódio à novelinha era tanto, que até chupar o chiclete (sim, lançaram um chiclete da novela) era crime. Cantarolar a música tema, então, era motivo pra levar vigorosos chutes na bunda; isso quando o shorte do infeliz não era arreado em público. Para vocês terem uma idéia, ouvir o disco da Mara-maravilha era um pecado venial perto do pecadão que era assistir Carrossel. Para nós, não havia coisa mais sórdida, infame, biltre, que se render aos apelos pueris da novelinha mexicana. Era mais vergonhoso que deixar escapar um peido em sala de aula. Mais infame que ter uma lancheirinha dos Ursinhos carinhosos.
Mas e aí? O que acontecia com aquele que fosse pêgo assistindo Carrossel?

O instrumento da punição era um potinho de óleo de fígado de bacalhau. Nós peidávamos nesse potinho (sim, peidávamos!) e aprisionávamos alí os gazes- era o famoso potinho da bufa- preparado exclusivamente para punir as infâmias. Eu avisei que a pena era severa, então preparem-se para o que segue:
Assistir Carrossel --> pena máxima--> punição: cheirar o potinho da bufa durante 15 minutos; em meio à chacota dos outros.
Nem preciso dizer que um de nós foi pego assistindo à novela. Foi um dos Gêmeos (desta vez eu lembro claramente qual dos dois). Vou preservar o nome, vamos chamá-lo de Gêmeo1.
O coitadinho ficou verde depois de cumprida a pena. E deve ter assistido a novela mais por excitação diante do proibido do que por gosto. Eu mesmo me via tentado a ver Carrossel, e via, por conta da proibição. Por que será que o proibido é tão bom?

Bem, no dia seguinte, a notícia: Gêmeo1 estava doente, com febre alta e diarréia.
Nos sentimos tão culpados, que jogamos o potinho da bufa no mar.

Embarque neste carrossel, onde o mundo faz de conta, terra é quase céu...

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